Setor Ótico em Portugal: desafios de sucessão e estratégias para a continuidade empresarial
O setor da ótica em Portugal caracteriza‑se por ser composto, maioritariamente, por micro e pequenas empresas familiares, profundamente enraizadas nas comunidades locais. Muitas dessas empresas foram fundadas há várias décadas e continuam a ser geridas pelos seus fundadores ou pela segunda geração de empresários. Este envelhecimento da liderança empresarial traz consigo dois grandes desafios interligados: a dificuldade na sucessão dos negócios e o risco de descontinuidade dos serviços de cuidados visuais no território nacional.
Considerando o estudo feito pela Marktest em 2019, que refere que cerca 5 milhões e 766 mil portugueses usam óculos graduados, o que corresponde a 67.3% dos residentes no continente com 15 e mais anos, é imperativo encarar esta questão com soluções estruturadas e de longa duração.
1. Contexto e desafios atuais
1.1 Perfil demográfico dos empresários
◦ Estudos recentes indicam que mais de 60% dos proprietários de lojas de ótica em Portugal têm mais de 55 anos.
◦ Em paralelo, observa‑se uma escassez de candidatos jovens com formação específica em ótica e optometria dispostos a assumir a gestão de negócios de pequena dimensão.
1.2 Impactos na população e no sistema de saúde
◦ A possibilidade de encerramento ou a redução de oferta de lojas de ótica em áreas de baixa densidade populacional compromete o acesso contínuo a exames de refração, adaptações de lentes e seguimento de patologias visuais.
◦ A falta de renovação empresarial pode agravar as listas de espera em centros de saúde e hospitais.
1.3 Resistência à inovação
◦ Empresas com gestores cuja idade é mais avançada tendem a adotar mais lentamente novas tecnologias – como equipamentos de diagnóstico digital, telemedicina ou sistemas de gestão automatizada de registos clínicos –, o que pode afetar a qualidade e a eficiência do serviço prestado.
2. O problema da sucessão empresarial
2.1 Desinteresse geracional
◦ Nem sempre os herdeiros ou os colaboradores demonstram vontade ou competência para continuar o negócio, retira da equação potenciais sucessores.
2.2 Planeamento deficiente ou ausente
◦ A sucessão é muitas vezes deixada para momentos de crise (doença do fundador ou reforma), sem estudos de viabilidade financeira, avaliação patrimonial ou formação adequada dos sucessores.
2.3 Consequências da transição abrupta
◦ A passagem de testemunho sem acompanhamento estruturado pode levar ao abismo por força da perda de clientes habituais, rutura de contratos com fornecedores e falhas no cumprimento de obrigações legais, entre outros.
3. Estratégias para garantir a continuidade dos negócios
3.1. Planeamento sucessório estruturado
• Avaliação patrimonial e financeira antecipada: recorrer a consultoria especializada para estimar o valor real da ótica, incluindo equipamentos, stocks e carteira de clientes.
• Contrato de passagem faseada: estabelecer acordos em que o fundador mantém um papel consultivo enquanto o sucessor assume progressivamente a gestão operacional.
• Formação profissional dos sucessores: garantir estágios, cursos em gestão de ou programas de mentoria interna.
3.2. Incentivos e apoios financeiros
• Linhas de crédito específicas: explorar o acesso a fundos nacionais (IAPMEI) e comunitários (Portugal 2030) destinados a processos de fusão, aquisição ou modernização de PME.
• Benefícios fiscais: explorar a existência de regimes de isenção ou redução de impostos em operações de transmissão de empresas.
3.3. Modelos alternativos de gestão
• Franchising ou Cooperativas: aderir a redes consolidadas, beneficiando de marca, marketing centralizado e apoio técnico.
• Joint‑ventures e fusões parciais: agrupar‑se com outras óticas próximas para partilha de custos fixos (aluguer, equipamentos de diagnóstico) e diversificação de serviços (teleconsulta, campanhas de rastreio comunitário).
3.4. Atração de talento jovem
• Programas de mobilidade e intercâmbio: promover parcerias com escolas de ótica e universidades estrangeiras para estágios internacionais, reforçando competências técnicas e de gestão.
• Plano de carreiras estruturado: implementar percursos profissionais que integrem progressão na área clínica e em funções de coordenação ou gestão.
Conclusão
O envelhecimento do tecido empresarial do setor da ótica em Portugal constitui um desafio significativo para a sustentabilidade dos serviços visuais no país. A conjugação de planeamento sucessório antecipado, incentivos financeiros, modelos colaborativos de gestão e estratégias de atração e retenção de talento jovem forma um conjunto robusto de soluções para preservar e modernizar o setor. Cabe a todos os intervenientes no setor cooperar nesse esforço, garantindo que as óticas portuguesas continuem a oferecer cuidados de excelência às atuais e futuras gerações — porque a saúde visual em Portugal depende também da vitalidade e da modernização do tecido empresarial do setor.
28 Outubro 2025
Atualidade

