Marcas eyewear independentes
Etnia Barcelona, Caroline Abram, Dita, Kaleos, Thierry Lasry, Hawkers, Kyme, Irresistor, Anne & Valentin, Moscot, Roundten, Gentle Monster, Projekt Produkt, Fakbyfak, Vinyl Factory, Pawaka, Garret Leight… são só alguns exemplos do amplo universo das marcas de óculos independentes que testemunham o grande crescimento deste nicho nos últimos cinco/sete anos. A ÓpticaPro procurou, com a ajuda de Mario Torre (hoje consultor comercial e de marketing do setor eyewear depois de uma grande experiência internacional com empresas deste mercado), as explicações para tamanho fenómeno na última década. Mas, antes, traçamos um resenha histórica da indústria ótica moderna.
Os grandes grupos clássicos da indústria ótica nasceram na província de Belluno-Cadore (Itália) entre os anos 30/40 e os anos 70 do século passado. Com o virar do século, nomeadamente entre os anos 90 e 2000, surgiu a internacionalização das empresas multinacionais. A Luxottica (criada em 1961 da LDV) abriu 20 filiais em apenas 10 anos, estando desde 1995 a entrar no mundo do retail (a compra da LensCrafters foi o início do império do retalho que representa hoje cera de 65% da faturação do grupo). A Sàfilo (família Tabacchi, 1934), a De Rigo (família De Rigo, 1978) e a Marcolin (família Marcolin, 1961) seguiram o mesmo caminho internacional, criando em conjunto o “POLO Bellunese” das quatro multinacionais da indústria italiana. Obviamente que a tradição do fabrico ótico europeu não pode cingir-se apenas à experiência da indústria italiana. Surgiram também empresas históricas e prestigiadas em França, principalmente no distrito dos Juras, como a veterana L’AMY (1810) ou a Morel (1880); na tecnológica Alemanha, com a Rodenstock (1870), a Menrad (1896), a Eschenbach (1913); e na Áustria, com a Silhouette (1961)… apenas para citar algumas das protagonistas. Porém, as quatro italianas foram as que mais cresceram, combinando o desenvolvimento internacional (rede de filiais mundiais e agentes exclusivos) e uma distribuição de produtos através de acordos de licença com as maiores griffes de tendência da moda italiana e internacional (Armani, Dior, Gucci, Prada, Chanel, Fendi, Valentino, Tom Ford, etc.). Os óticos de todo o mundo puderam receber e distribuir as marcas de moda mais desejadas pelo público a nível mundial. As empresas italianas cresceram muito por meio deste fenómeno e, consequentemente, os óticos aproveitaram esta “boa onda” e fizeram ótimos negócios, duplicando os seus volumes de vendas. Em 1995, a Luxottica voltou a antecipar-se suportando o crescimento internacional com a compra de marcas líderes, como Ray-Ban, Persol e Oakley. Esta estratégia virada para as house brands, em conjunto com a sua expansão no retail, permitiu uma aceleração na última década, alcançando os 8.000 milhões de faturação anual. A última “jogada de mestre” foi afusão com outro colosso, a marca francesa de lentes Essilor, uma união de 50 biliões de euros, para criar um polo de faturação de 15 biliões já em 2017.As restantes multinacionais italianas não se dedicaram tão fortemente ao shopping deixando de lado a oportunidade de potenciar o portefólio das house brands (exceto a Sàfilo, com as compras da Carrera e da Polaroid, e a De Rigo Vision, com a Lozza) e preferindo dedicar-se ao licenciamento de marcas de moda que têm muita procura. Mais, dos EUA chega um player muito organizado: a Marchon, o único grupo multinacional que compete diretamente com o polo das quatro empresas venezianas. Entretanto, em 2015, surge um fenómeno paralelo, ou seja, a entrada dos proprietários das griffes de moda no campo competitivo. Hoje, o grupo Kering distribui diretamente as suas marcas e tudo indica que o colosso LVMH, com uma participação importante na italiana Marcolin, irá seguir o mesmo caminho.
Os mercados das marcas independentes
Abriu-se pois uma lacuna no mercado: o espaço para experimentar novas criações. Os grupos italianos expandiam-se internacionalmente e com acordos de licença, mas não se destacavam criativamente. Foi aqui que surgiram oportunidades para pequenas novas marcas independentes que antes ninguém conhecia e que atualmente todos querem ter. O panorama e potencial atual das marcas independentes é enorme e muito fascinante. Como referiu à ÓpticaPro Mario Torre, hoje consultor comercial e de marketing do setor eyewear depois de uma grande experiência internacional com empresas deste setor: “O mundo das marcas independentes foi-se desenvolvendo surpreendentemente nos últimos 10 anos. Antes o domínio era exclusivo dos grandes grupos e havia poucas exceções. Alguns pioneiros como Alain Mikli, Lindberg e Theo começaram a entrar mais fortemente nas óticas, criando a procura pelo produto com design. Que não haja dúvidas: foram os óticos que permitiram esta pequena revolução com a sua visão prospetiva e a procura por produtos vanguardistas”.
A par de algumas insígnias históricas, como Lindberg (1961), Silhouette (1964), La Font (1923), Alain Mikli (1978), Theo (1987) e Moscot (1915), foram várias as marcas independentes que se destacaram a nível mundial ao longo dos últimos anos. Segundo Mario Torre, sendo uma categoria altamente dinâmica, é hoje impossível (felizmente) criar o elenco completo das marcas independentes a nível mundial. “Podemos tentar fazer um exercício teórico, selecionando algumas pelo mercado criativo de origem, nomeadamente:
a) Nórdico, um dos pioneiros na tendência com um designlinear, com marcas como Prodesign, Bellinger, Anna Karin Karlsson, Nine;
b) Americano,vintagee consistente: Dita, Chrome Hearts, Barton Perreira, Ana Hickmann;
c) Alemão, privilegia a adição do metal ultra-ligeiro: Mykita, Ic! Berlin, Markus T;
d) Francês, criativo, elegante, refinado: Anne & Valentin, Caroline Abram, Thierry Lasry;
e) Italiano, muito dinâmico e variado: Kyme, LGR, JPlus, Blackfin;
f) Espanhol, com um polo criativo importante em Barcelona: Etnia, Kaleos, Roundten, Xavier García, Lool; o recente fenómeno onlineda Hawkers que, desde Elche (Alicante), se expande por todo o mundo;
g) Asiático, surpreendente, transgressivo, tecnológico: Projekt Produkt, Irresistor, Masunaga, Gentle Monster, Pawaka;
h) Britânico, com um estilo clássico e persistente: Cutler and Gross, William Morris, Victoria Beckham, Linda Farrow.
É um método que desvaloriza e simplifica a tentativa de atribuir classificações, se bem que poderá ser útil para traçar um panorama setorial”. As marcas independentes, segundo Mario Torre, representam perfeitamente “o espírito livre do designe das ideias criativas, seja qual for a origem do produto. Os designers destas marcas são, muitas vezes, globetrotters mundiais que revisitam com olhos de novidade a tradição das óticas; outras vezes são visionários ou, simplesmente, impõem uma chave moderna um conceito clássico. Uma coisa é certa: os óticos apreciam muito esta variedade e a possibilidade de oferecer ao público produtos inovadores, nunca antes vistos.O fator preço é também importante, tem que ser equilibrado, se bem que os artigos independentes têm uma grande componente artesanal que faz aumentar os custos. Outro fenómeno atual é a figura do ótico-designer, apesar de ser a categoria profissional dos óticos que antigamente produziam os seus próprios óculos. Na Europa são muitas as marcas que nascem numa ótica! Os óticos europeus tornaram-se muito exigentes (podemos dizer mais gourmet), em termos de qualidade e design. Em Portugal, por exemplo, cada vez mais se assiste a uma procura e interesse pelas marcas independentes: temos em todo o país óticas excelentes que não têm inveja de países tradicionalmente mais acreditados neste sentido”. Quanto à dimensão económica, podemos dizer que algumas das marcas independentes faturam valores consideráveis, entre 30 e 60 milhões de euros (não são muitas); sendo que um par delas está acima dos 120 milhões. A maioria do infinito universo das marcas independentes situa-se entre 3 e 10 milhões e raramente supera os 15 milhões. “15 milhões de euros é um grande valor para uma marca que produz um acessório e não tem os lucros de uma marca fashion”, acrescentou Mario Torre.
“O setor ótico é um espaço cósmico”
Respondendo ao nosso desafio de selecionar o seu top 10 de marcas independentes, assegurou que é uma missão impossível: “são várias, muitas em constante movimento. Acabo de regressar das feiras opti Munich e Mido muito surpreendido com o dinamismo desta área do mercado. Não quero exprimir preferências, são sempre subjetivas. Deixamos esse trabalho para os óticos. Os mercados nórdicos, asseguram os entendidos na matéria, ganharam vantagem por terem chegado primeiro que os latinos no amor pelas marcas de óculos independentes.Mas, obviamente que culturalmente e pela proximidade, tenho mais feeling para a corrente mediterrânea. Em Barcelona, onde vivo desde 2012, há imensas marcas novas, com a Etnia a encabeçar o grupo barcelonês”; a Hawkers é um fenómeno moderno que promete alcançar os 100 milhões de euros de faturação em 2017, tanto online como offline. Em Itália, país sempre um pouco à frente na questão das tendências, estão a surgir novos conceitos, modernos e com a facilidade de se produzirem localmente em Cadore, com fabrico made in Italy,como também em novas áreas de produção (Nápoles, Puglia, Varese). No mercado norte-americano destacam-se linhas que misturam linhas vintagee modernas próprias do espírito nova-iorquino. Estou curioso para visitar a feira de Nova Iorque, para ver as novidades”. Por fim, Mario Torre deixou uma nota para a produção asiática e, especialmente, a coreana: “Surpreendente! Gosto muito da forma como as marcas Gentle Monster ou Produkt Projekt comunicam, de maneira muito original e transgressiva. Há também marcas russas (Fakbyfak), indonésias (Pawaka) e australianas (AM eyewear) com futuro”.O mercado das marcas independentes é absolutamente brillante, com um crescimento qualitativo e quantitativo imparável na última década. Mario Torre, aproveitando-se da sua veia poética, concluiu definindo o panorama da ótica mundial. “Gosto de descrever o setor ótico como um espaço cósmico: temos uma galáxia única e solitária que abrange mundos paralelos (Luxottica-Essilor), os grandes planetas do Sistema Solar (grupos multinacionais) e uma Via Láctea dinâmica, ou seja, uma miríade de pequenas novas estrelas (as marcas independentes)”. Deixamos então o “ótico astrónomo” com o desafio de descobrir as novas estrelas – considerando que “o sol brilha sempre para todos”.
Artigo publicado na ÓpticaPro 166.
27 Fevereiro 2017
Opinião